segunda-feira, 18 de março de 2013

Memórias de uma Guerra Suja - Resenha Literária


Lançado em 2012, o livro aborda os bastidores do regime militar em sua mais cruel face. Cláudio Guerra, delegado do DOPS durante o período ditatorial, agora um religioso devoto a Jesus (pastor da Assembléia de Deus), procurou o jornalista Rogério Medeiros para relatar o que presenciou e os atos de barbaridade que cometeu sob o mando dos militares.


Sem demonstrar pretensão literária, o livro aborda o modus operandi de policiais e militares que atuavam, determinando execuções sumárias independente de quem fosse, desde que considerado contra o regime.

Cláudio Guerra era o executor dos assassinatos e muitas vezes matou pessoas sem saber o motivo, apenas por cumprir ordens, com fidelidade canina, que vinham dos líderes que combatiam a revolta armada. Entre eles, o relato do delegado aos jornalistas evidencia o nome do coronel Perdigão (SNI) e do comandante Vieira (Cenimar), os quais, em conjunto com outros militares graduados, teriam selado a morte do temido Delegado Fleury, verdadeira queima de arquivo do regime.

Foram tantas mortes que Cláudio Guerra sequer lembra exatamente de quantas pessoas que matou. Por sua eficiência (atirador exímio e especialista em explosivos) era sempre contatado para cumprir as execuções, deslocando-se por todo o País para colocar bombas, simular atentados e combater a esquerda armada. Ele relata que participou de episódios famosos daquela época, como a Chacina da Lapa, a bomba no jornal O Estado de São Paulo e a bomba do Riocentro, cujo atentado, se efetivamente consumado, resultaria em uma tragédia sem precedentes, o que somente não aconteceu, segundo Cláudio Guerra, por um erro na execução.

Relata também as técnicas utilizadas pelo seu grupo para criar uma grande confusão nos locais onde ocorriam as mortes, incumbindo a um policial, sempre à paisana, de confundir eventuais testemunhas com informações falsas, fato que resultava no arquivamento dos inquéritos em virtude da insuficiência de provas. Sem falar, claro, na conhecida "vela" (arma) que colocavam na mão do cadáver para simular a troca de tiros que resultou na morte do "terrorista".



Em seu depoimento ainda expõe os encontros no "Angu do Gomes", restaurante no Rio de Janeiro em que se reuniam policiais e militares, bem como artistas, bicheiros e pessoas que financiavam a extrema direita.

Outro depoimento surpreendente foi do local encontrado para dar sumiço nos corpos. Trata-se de uma usina na cidade de Campos (RJ), pertencente a importante político carioca (já falecido), onde havia um forno usado para incinerar os corpos do militantes assassindos. Segundo Guerra, pelo menos dez pessoas tiveram os corpos queimados no local. Outros corpos foram enterrados em cemitérios clandestinos e alguns, inclusive, lançados na Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte (MG).

Cláudio Guerra ainda traça um perfil dos seus comandantes e da intrincada rede de informações então existente, envolvendo policiais civis e integrantes das forças armadas, em especial exército e marinha.

Com a certeza da impunidade, "em nome da segurança do Estado brasileiro, os membros da comunidade de informações podiam tudo: perseguir, grampear, investir, julgar, condenar, interrogar, torturar, matar, desaparecer com o corpo e alijar famílias do paradeiro de seus entes queridos. Não havia um código de ética, nem formal, nem informal, que direcionasse nossas condutas. Tudo era permitido" (pág. 98).

Desprezado pelas grandes mídias, o livro é uma publicação corajosa da Topbooks e está sendo bastante comentado em grupos de proteção aos direitos humanos, desaparecidos políticos e contra a tortura existente entre os anos 1964 a 1985, relatando episódios da luta contra a militância política e a tentativa de desestabilização da sociedade, com propósito de causar pânico, quando da abertura política, ocasião em que a "irmandade" passou a praticar atentados e atribuir sua autoria a grupos de esquerda.


Infelizmente, talvez pela pressa em publicá-lo, o livro é confuso em seus anexos, repetindo muitos deles e deixando de incluir outros a que faz referência, como acontece com as notas 62, 92, 136, 137, 140, 141, 142 e 148, por exemplo. Aqueles que constam no livro, porém, devem ser lidos para melhor compreensão do relato do delegado Cláudio Guerra.

O livro é um importante documento para a Comissão da Verdade instaurada no Brasil, devendo ainda ser comprovada a veracidade das informações prestadas pelo ex-delegado do DOPS do Espírito Santo, cujo nome não consta das famosas listas de torturadores visto que, como ele mesmo diz, não gostava de tortura, apenas cumpria ordens: matar!

1 comentários:

  1. Doloroso será - quando consciente de seus crimes - desejar repará-los nas sucessivas reencarnações através das quais serão expiados todos os seus erros para continuar a ascenção do espírito imortal!!

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